Home-office: as empresas e a busca pelo modelo perfeito

12/08/2020 14:00:00

Artigo de Carlos José Pereira, empresário e vice-presidente do sindicato das empresas de TI - Seprosc

Home-office: as empresas e a busca pelo modelo perfeito

CARLOS JOSÉ PEREIRA
Empresário da área de tecnologia, Vice-Presidente do Seprosc - Sindicato das empresas de TI do Estado de Santa Catarina


'Un homme seul est toujours en mauvaise compagnie'[Um homem só está sempre em má companhia](1)

Em artigos anteriores, defendendo o teletrabalho ou home-office, eu afirmei que  “nem tudo são flores no caminho do home-office e todos os aspectos devem ser ponderados: sociais, organizacionais e principalmente aspectos legais.”(2)

Os aspectos sociais não podem ser desprezados pelas organizações. Quaisquer regras empresariais, normas e ações internas de teletrabalho devem levar em consideração a necessária socialização dos indivíduos. “As pessoas não podem estar e nem existir sem os sistemas sociais, e vice-versa.”(3)

Sob à óptica da socialização, equivoca-se quem utilizar os parâmetros de isolamento determinados pela doença Covid-19 para avaliar a aderência negativa ou positiva das pessoas ao teletrabalho. 

 

Indivíduos satisfeitos podem mudar de ideia com o tempo e insatisfeitos também.

 

Insatisfeitos estão sob um cadinho de emoções e podem mudar de opinião quando voltarem às relações sociais “normais”, principalmente afetivas e de entretenimento, com o fim do isolamento.

Embora apenas alguns setores dos negócios possam adotar o teletrabalho, parcial ou integralmente, percebe-se um consenso de que as organizações deverão disponibilizar essa nova forma de relação com seus colaboradores. 

Pesquisa que fizemos em nossa empresa mostrou que apenas 4% dos colaboradores desejam trabalhar sempre presencialmente. A maioria esmagadora, 73%, gostaria de uma forma híbrida e 23% preferiram o home-office integral. Há de se considerar os casos onde os ambientes domésticos são inadequados, ainda que temporariamente, por quaisquer motivos.

 

A forma presencial e a híbrida podem ser adotadas somente nos locais onde a organização mantenha unidades físicas, mas podem ser uma boa solução para minimizar os problemas da socialização no ambiente corporativo.

 

Manter o espírito corporativo, uma rede de comunicação fechada, que  integra a pessoa num sistema organizacional diferenciado, com metas e objetivos, é fundamental para o sucesso da empresa. Na interação presencial,  o espírito corporativo tende a ser natural, ao contrário da interação a distância.

Os gestores devem ser criativos para manutenção da chama corporativa acesa e não há uma receita única para o sucesso do teletrabalho nesse quesito. Independente da forma e do grau de adoção do home-office,  gestores devem encontrar fórmulas adequada às características de suas organizações. As técnicas podem passar por modelos tradicionais ou diferenciados, inovadores. Com o tempo, haverá condensações de modelos que deram certo e a generalização deles no mercado.

 

O teletrabalho traz desafios adicionais para a gestão de pessoas sob o ponto de vista da socialização corporativa.

 

A tecnologia que permite o afastamento também permite um tipo novo de socialização e inclusão, em alguns casos com mais eficiência e eficácia.  Softwares simulam pessoas trabalhando lado a lado, facilitando o contato, com salas de reuniões virtuais acessíveis, de forma mais simples e  rápida, se compararmos com os encontros pessoais tradicionais. Ligar as câmeras deveria ser uma recomendação. Pessoas gostam de ver pessoas.

 

Uma empresa é um sistema de comunicação.

A tecnologia permite formas variadas de incremento dessa forma de operação.


Sem o home-office, as empresas já adotavam largamente meios generalizados de comunicação a distância.

Com o teletrabalho, novos modelos e formas de utilização desses meios tradicionais de comunicação devem ser criados. Outras formas poderão surgir por conta de oportunidades e necessidades. Não há limite para inovações nessa área.

As irritações são constantes na relação das organizações com seu ambiente. Gestores devem lidar com a complexidade interna de suas organizações e com a complexidade das relações com um entorno instável e sem forma definida.

Um ambiente instável, mas conhecido, muda radicalmente quando menos se espera. “Estabilidade é sempre a mistura muito particular entre, de um lado, durabilidade do possível e, de outro, reprodução temporal das formas que possibilitam a reprodução das possibilidades.”(4)

 

As mudanças vêm em ondas que podem ser arrasadoras.

Cada organização, à sua maneira, deverá estar adaptada ao entorno, lidando com sua própria complexidade.

 

Esse relacionamento com o entorno que a contém leva-a numa “deriva estrutural”. Há “[...]um curso que se produz, momento a momento, nas interações do sistema e suas circunstâncias.”(5)

O entorno é um mar e a organização um pequeno barco, que semelhante a um processo cibernético, está constantemente tentando diminuir a distância entre o propósito estabelecido e a realidade que se impõe.

 

(1) VALÉRY, Paul apud LUHMANN, Niklas. Teoria dos sistemas na prática: vol. I, estrutura social e semântica; editado: Leopoldo Waizbort; tradução: Patrícia da Silva Santos. Petrópolis : Vozes, 2018, p. 182.

(2) NEM TUDO SÃO FLORES NO CAMINHO DO HOME-OFFICE. Disponível em: < http://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=24668&TITULO=nem-tudo-s-o-flores-no-caminho-do-home-office >. Acesso em: jun. 2020.

HOME-OFFICE: OS TABUS DESABAM E A REALIDADE SE IMPÕE. Disponível em:< https://www.noticenter.com.br/n.php?CATEGORIA=63&ID=24918&TITULO=home-office-os-tabus-desabam-e-a-realidade-se-imp-e>. Acesso em: jul. 2020.

(3) LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas; tradução : Ana Cristina Arantes Nasser. 3 ed. Petrópolis : Vozes, 2011, p. 283.

(4) Ibidem, p. 235.

(5) MATURANA, Humberto R. Cognição, ciência e vida cotidiana; organização e tradução : Cristina Magro e Victor Paredes. Belo Horizonte : UFMG, 2001, p. 81.