Nem tudo são flores no caminho do home-office

15/06/2020 10:40:00

Artigo de Carlos José Pereira, vice-presidente do Seprosc - sindicato das empresas de TI do Estado de SC

Nem tudo são flores no caminho do home-office

CARLOS JOSÉ PEREIRA 
Empresário da área de tecnologia, vice-presidente do Seprosc - Sindicato das empresas de TI do Estado de Santa Catarina 

 

Em 1898, em Nova Iorque, delegações do mundo inteiro procuravam soluções para problemas comuns de grandes cidades. Um dos assuntos era a poluição provocada por um meio de transporte: o cavalo. A poluição, causada pelo “cocô” nas ruas, tomava proporções alarmantes. (1)

Previsões para Londres davam conta de um acúmulo de esterco que chegaria a 3 metros em 40 anos. Nova Iorque, até 1930, teria “bosta” acumulada até o segundo andar de um edifício. (2)

Essas previsões não se efetivaram. A tecnologia salvou o mundo, graças ao bonde e à popularização dos automóveis. 

As crises trazem à tona um estado excepcional do sistema; o normal passa a ser o não permitido, o não necessário. Faz-se o inabitual, alteram-se estados que normalmente não se transformariam. (3)

Uma crise mexe com a estabilidade do sistema, cria uma desordem. Os tabus desabam e a realidade impõe uma mudança rápida e necessária para a sobrevivência do sistema. 

Visando o bem-estar de nossos colaboradores e o menor impacto em nosso negócio, adotamos o home-office bem cedo, assim que OMS declarou a pandemia da Covid-19. Em nossa matriz em Blumenau dispúnhamos de um plano de contingência para períodos de enchente, e o adaptamos rapidamente para a pandemia. A novidade era a inclusão das filiais de outras cidades do país. 

 

Home-office era opção muito pontual para o caso de enchentes na cidade da matriz. Nunca consideramos para toda a organização. Tínhamos restrições a respeito. 

A pandemia obrigou-nos ao inabitual, à transformação das estruturas; uma adaptação forçada a um entorno inóspito, com instabilidades diferenciadas.  

Nas crises se apresentam oportunidades e o home-office passou a ser visto como uma oportunidade, uma solução viável e funcional. Funcionou muito bem. Por que não o adotar quando a crise for embora? 

 

As vantagens e as desvantagens agora eram nítidas e não imaginadas. Vantagens nunca pensadas deram força para o home-office, superando eventuais desvantagens. As desvantagens bem analisadas podem ser minoradas através da implementação de  regras e controles. 

A teoria da evolução trata de mudanças estruturais não planejadas que se mantêm, quando essas mudanças estão de acordo com o ambiente. Nos contextos evolutivos, há o resultado consolidado de uma fase que serve de base para a variação seguinte. (4)

A estrutura das organizações é fluida; estruturas fluidas não significam falta de estrutura, significam apenas que não são rígidas e podem se alterar e evoluir. 

Organizações têm diferentes realidades. Nem todas podem adotar o home-office integralmente. Gestores podem inovar. Não existe uma solução única.  

 

Algumas áreas, como a área de tecnologia, são privilegiadas.

Há o que a teoria das formas classifica como uma re-entry, (Spencer Brown), ou seja, a tecnologia auxilia as empresas que trabalham com tecnologia. (5) 

 

Mas nem tudo são flores no caminho do home-office e todos os aspectos devem ser ponderados: sociais, organizacionais e principalmente aspectos legais.  

Nossa empresa é especializada para o mundo jurídico e, por isso,  pudemos ver o movimento do CNJ e dos gestores nos tribunais para dar continuidade às atividades em home-office. Eles processam informações. A atividade é muito semelhante à nossa. Operam tecnologia social, mas o judiciário é basicamente um sistema de comunicação e todas os ferramentais disponíveis hoje podem permitir uma imensa evolução na área.  

O fato de parlamentares e juízes terem sido forçados à modalidade home-office facilitará a continua evolução das leis e normas jurídicas. Obviamente haverá efeitos colaterais não desejados, como o sacrifício da socialização. Essa modalidade de prestação de serviços deverá se popularizar. Os efeitos colaterais benéficos serão enormes no trânsito, poluição e acidentes de percurso 

 

As eventuais flexibilizações legais trarão benefícios para empregados e empregadores.

Tabus serão destruídos, mormente aqueles amparados em discursos repetidos e desgastados. Algumas entidades e seus representantes terão que evoluir. 

No plano social as empresas certamente criarão regras para manter os colaboradores em contatos pessoais, ainda que esporádicos. A empresa precisa manter seu caráter corporativo. O colaborador deve se sentir parte de uma organização com metas e objetivos bem definidos. Pretendo abordar, num próximo artigo, medidas específicas adotadas na empresa e levantar questões práticas para ação dos legisladores.

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(1) DEURSEN, Felipe van. Antes do carro, o caos das grandes cidades era o cavalo;
Disponível em: Deursen https://super.abril.com.br/blog/contaoutra/antes-do-carro-o-caos-das-grandes-cidades-era-o-cavalo Acesso em: maio. 2020.

(2) Ibidem.

(3) LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas; tradução : Ana Cristina Arantes Nasser, 3 ed. Petrópolis bzes, 2011, p. 180-181.

(4) LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade; tradução: Saulo Krieger tradução das citações em latin Alexandre Agnolon. São Paulo. Martins Fontes, 2016, p. 361-362.

(5) BROWN, George Spencer. Laws of form; Library of Congress Catalog Card Number: 72-80668, New York: 1972.