Catarinenses ter�o tratamento para prevenir HIV a partir de dezembro no SUS

26/09/2017 17:00:00

SC � o segundo maior estado com taxa de detec��o de aids do Brasil, com 31,9 casos a cada 100 mil habitantes

Catarinenses tero tratamento para prevenir HIV a partir de dezembro no SUS

Superando em um terço a média nacional, Santa Catarina tem a segunda maior taxa de detecção de AIDS do Brasil, com 31,9 casos a cada 100 mil habitantes. O Estado, que só fica atrás do Rio Grande do Sul (34,7), foi um dos 11 escolhidos pelo Ministério da Saúde para começar a distribuir um medicamento capaz de prevenir a transmissão do vírus HIV – responsável por desenvolver a doença que enfraquece o sistema imunológico. 

A partir de dezembro, a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) estará disponível a homens homossexuais, pessoas transgênero (travestis e transexuais), profissionais do sexo e casais sorodiscordantes (em que só uma das pessoas tem o vírus) na Policlínica Central, em Florianópolis. 

O Ministério da Saúde ainda não sabe quantos medicamentos serão distribuídos em SC, mas diz haver orçamento de US$ 1,9 milhão aprovados da Unitaid, uma iniciativa global sem fins lucrativos que atua no incentivo de novos métodos para prevenção, diagnóstico e tratamento de HIV/aids, tuberculose e malária, para aquisição de 2,5 milhões de comprimidos. A quantia é capaz de atender aproximadamente 7 mil pessoas no país todo por um ano. 

Sob acompanhamento da prefeitura da capital catarinense, que é uma das 12 cidades catarinenses integrantes da cooperação interfederativa para enfrentamento do HIV/aids, os grupos considerados vulneráveis à exposição do HIV com base no comportamento que possuem vão tomar diariamente o comprimido e, provavelmente, terão que buscá-lo a cada mês, quando farão consulta médica de acompanhamento. Tenofovir e o entricitabina são as substâncias químicas que compõem o medicamento voltado a quem não teve nenhum tipo de contaminação com o vírus.

A intenção é que o composto funcione como uma barreira à infecção viral, segundo a gerente de vigilância das infecções sexualmente transmissíveis, aids e hepatites virais da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive) da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, Dulce Quevedo, que participou da oficina de capacitação realizada no fim de agosto em Brasília. Ela acrescenta, contudo, que o simples pertencimento a um desses grupos não é suficiente para caracterizar indivíduos com exposição frequente ao HIV.

— A implementação da PrEP ocorrerá de forma gradual, priorizando as populações com maior risco à infecção pelo HIV, conforme definição do Ministério da Saúde. Para essa caracterização, também será necessário observar as práticas sexuais, parcerias sexuais e contextos específicos associados a um maior risco de infecção — detalha, observando que é a Secretaria de Saúde de Florianópolis a responsável pela seleção dos pacientes.

Dados do Ministério da Saúde atestam que a eficácia e segurança da PrEP foram comprovadas por estudos científicos e podem reduzir a infecção pelo HIV em mais de 90%. Apesar da eficácia prometida, o diretor da Dive-SC, Eduardo Macário, reforça a necessidade de manutenção de medidas dentro da "prevenção combinada", tais como uso de preservativo feminino e masculino; testagem regular; teste durante o pré-natal e tratamento da gestante que vive com o vírus; redução de danos para uso de drogas; testagem e tratamento de outras infecções sexualmente transmissíveis e das hepatites virais, além do tratamento para todas as pessoas.

— Essa não é a única forma de prevenção. Esse medicamento nunca vai substituir o preservativo. As relações sexuais protegidas continuam sendo a melhor prevenção para transmissões por HIV. A PrEP entra como uma tecnologia adicional, que garante qualidade de vida — salienta.

Inicialmente, a estratégia será implantada em 12 municípios (Porto Alegre; Curitiba; São Paulo; Rio de Janeiro; Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Manaus, Brasília, Florianópolis, Salvador e Ribeirão Preto) e, gradativamente, será expandida para todo o país e outros grupos de pacientes. A PrEP já é utilizada em países como Estados Unidos, Bélgica, Escócia, Peru e Canadá, onde é comercializada na rede privada, além da França e África do Sul, que utilizam no sistema público de saúde.

Medicamento não dispensa o uso de preservativos 

O método da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) é diferente da Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que já está disponível no SUS para quem possa ter sido exposto ao HIV. A PEP deve ser iniciada até 72 horas depois da relação sexual desprotegida ou depois de um acidente com objeto perfuro-cortante, em que possa ter havido contato com o vírus. O tratamento é feito com três medicamentos e tem duração de 28 dias.

Apesar de o uso de um remédio ser diferente do outro, o funcionamento é semelhante: o vírus fica impossibilitado de penetrar na célula. Por esse motivo, a médica infectologista Rosalie Knoll argumenta que o medicamento é conhecido e, portanto, seguro.

— Já conhecemos. Apenas a combinação é um pouco diferente. Aparentemente, não há efeitos colaterais. Mas o monitoramento, com exames complementares, vai ser capaz de expressar melhor isso — pondera. 
No entanto, a coordenadora do curso de Medicina da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) alerta para a possibilidade de resistência do HIV em caso de uso incorreto do remédio por parte da população selecionada. 

— O único receio é com relação ao uso. Se as pessoas começarem a tomar incorretamente, vai gerar resistência viral num futuro. Será necessário avaliar o comportamento delas. A intenção não é alterar o comportamento de ninguém, mas ensinar a ter uma vida saudável — reforça.

Secretária-executiva da Estrela Guia, associação em prol da Cidadania e dos direitos sexuais em SC, Kelly Vieira tem expectativa positiva a respeito da reflexão sobre a necessidade de prevenir a aids e demais doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Para a mulher trans, essa será uma oportunidade para os grupos vulneráveis e, posteriormente, para toda a população repensar as próprias práticas sexuais. 

— Os sujeitos dessa pesquisa estão, de certa maneira, sendo colocados em xeque quanto as suas atitudes comportamentais. Ninguém curte tomar uma medicação para o resto da vida, porque isso tem um peso corporal e psicológico. Se alguém tem relações sexuais desprotegidas é porque ainda não reviu o seu comportamento. Então, é uma possibilidade de entrar em sintonia com a realidade, saber que o preservativo é um método interessante e atuar pela redução de risco — analisa.